As mulheres da minha família
As mulheres da minha família são mulheres fortes.
Trazendo-as em mim, as mulheres da minha família deram-me essa força.
Eu sou uma mulher forte.
As mulheres da minha família encontraram nessa força a vida.
Uma vida que nem sempre foi aquela que teriam escolhido para si.
Por isso, as mulheres da minha família desejaram essa vida para as suas filhas.
Ao desejarem-no, as mulheres da minha família criaram filhas fortes.
Eu sou uma mulher da minha família.
Eu sou uma mulher forte.
O que significa ser uma mulher forte na minha família? Ser forte, é saber o que é preciso fazer e fazê-lo. Ser forte é saber pegar nas adversidades da vida e transformá-las numa vida adequada. Ser forte é manter a compostura em todas as situações. É pegar na inocência da menina com o mundo a seus pés e aprender que “a vida não é como a desejamos”. É ser impassível face à dor porque a vida continua. Ser forte é sacrifício.
Outrora não havia uma escolha, as mulheres da minha família tiveram que ser mulheres. É irónico como, na mudança de estado civil, o homem preserva o seu Eu individual, passando a ser também marido. A mulher não. A mulher individual deixa de existir para se tornar apenas mulher. Agora, mulher de alguém.
Um dia (se tudo correr bem), será mãe. Como ser mãe pertence à mulher, no seu íntimo, ela permite-se olhar para si como mulher novamente. Só mulher, não mulher de alguém. Fica por escrever o que deixa de ser tudo não corre bem.
“Quantas mulheres podiam ter sido grandes mulheres se lhes fosse permitido”. As mulheres de outrora são muitas vezes recordadas pelas mulheres de hoje desta forma. Como se deixassem de ser grandes mulheres, só porque ninguém viu. Ninguém viu, porque elas foram fortes.
As filhas destas mulheres viram o mundo mudar. Ao vê-lo primeiro (porque as grandes mulheres escondidas nas mulheres dos seus maridos estavam atentas) desejaram, com toda a força que as caracteriza, que as suas filhas pudessem ser grandes mulheres. Porque também elas, por não serem vistas, acreditaram que não eram grandes mulheres, apenas mulheres.
Assim, as meninas que se tornaram mulheres aprenderam, através das suas mães, a ser fortes. Um forte diferente, ou assim lhes era dito. Estas novas mulheres puderem escolher – podiam tornar-se mulheres ou, abdicar de ser mulher e ser outra coisa. (Sim, porque ser uma grande mulher era um direito que ainda não lhes era reservado.) Podiam exercer uma profissão, podiam sentir que havia um lugar no mundo para elas. Uma mulher na minha família escolheu este caminho, foi professora. Escolheu. Porque não podia ser mulher e ser mulher ao mesmo tempo. Ela foi uma mulher forte.
O mundo mudou novamente. As mulheres e as suas filhas mulheres viram-no mudar mais uma vez. Agora, as mulheres não têm que escolher diziam elas. Agora as mulheres até podem ser grandes mulheres! Mas ser uma grande mulher tem que se lhe diga. As mulheres da minha família rapidamente perceberam que não era assim tão simples ser uma grande mulher. Agora podiam (e deviam) ser bem-sucedidas no caminho que escolhessem, enquanto se tornavam mulheres e mães. As mulheres continuavam a poder escolher não se tornarem mulheres e mães, mas se não tivessem mais para mostrar, não ficava bem. Assim, as mulheres da minha família, como eram grandes mulheres, mais uma vez foram fortes. E por isso eu, uma mulher da minha família, sou forte.
Ser forte, para as mulheres da minha família, sempre se baseou numa simples premissa. Premissa essa que eu, hoje, sou capaz de ver. (Elas não conseguiram ver, tinham que ser fortes.) Para ser forte, uma terceira mulher teve sempre que ser silenciada. A mulher que sente. A mulher que sofre. A mulher ama e é amada.
Com isto eu não quero dizer que as mulheres na minha família não sentem, não sofrem e não amam. Pelo contrário, o que elas sentem, sofrem e amam é proporcional a esta força que as caracteriza. Mas as mulheres da minha família não o puderam mostrar, nem a si próprias.
Um dia, o mundo mudou de tal forma que lhes foi permitido sentir, sofrer e amar livremente, sem perigo. E elas desejavam, com toda a sua força, entregar-se aos afetos que sempre lhes foram negados, inclusivamente por elas próprias. Mas por terem sido tão fortes durante tanto tempo, não conseguiram – não sabiam como. E assim, mais uma vez, as mulheres da minha família sofreram.
Hoje, eu vejo a força das mulheres da minha família.
Como eu sou uma mulher da minha família, eu sou uma mulher forte.
Mas o meu forte é diferente do forte Delas porque eu encontrei outras mulheres na minha vida.
As mulheres que eu encontrei na minha vida são mulheres fortes.
Através da minha força eu fui capaz de ver a delas.
Mas foi através da força delas que a minha força se transformou.
Hoje, começo a acolher em mim, as mulheres fortes que encontrei pelo meu caminho. As mulheres que me ensinaram que a força não tem que vir do sacrifício. Não tem que ser moldada por ele. Não tem que ocupar o espaço de tudo aquilo que a pode abalar. As mulheres que surgiram no meu caminho mostraram-me a enorme força contida na expressão autêntica do amor. Mostraram-me como as minhas emoções, boas e más, fazem parte de mim. E ao fazerem parte de mim, dão-me força. Para ser forte, eu não preciso de não sentir. Para ser forte eu não preciso de lutar nem de comandar tropas contra mim própria. Para ser forte, eu não preciso de silenciar nenhuma parte de mim – nem aquela que, por vezes, se sente triste e quer chorar.
A vida nem sempre é aquilo que desejamos. A vida nem sempre é fácil. Mas hoje, a minha força permite-me encontrar a força dos outros e torná-la minha também. A minha força permite-me olhar para dentro e cuidar não só da mulher que eu sou, como da menina e da filha que nunca deixarei de ser. Hoje, sou capaz de olhar para elas, com amor, e acolhê-las em mim.
Nem sempre.
Mas hoje, eu sei para ser uma grande mulher não preciso de ser sempre capaz de tudo sozinha.
É em honra das mulheres da minha família – que eu amo sem reservas – que hoje cultivo a força que elas não se permitiram ter – a força de sentir.